Precisamos escalar os valores da sustentabilidade.

Esse fim de semana fui conhecer o armazém A Colheita e a padaria The Slow Bakery - 2 negócios com propostas verdadeiramente sustentáveis, ambos em Botafogo (óbvio;-)). Eu e meu marido aproveitamos a manhã de sábado para pegar uma bike compartilhada e pedalar 3km até lá para conhecer. Um programa 100% livre de emissões de carbono.

Chegamos primeiro na padaria, que tinha uma pequena fila de pessoas moderninhas na porta. Longas barbas ornavam os rostos dos rapazes e tecidos naturais muito largos cobriam o corpo das moças. Lá dentro, a área do café e a fila para comprar os famosos pães artesanais (feitos por um processo de fermentação natural e utilizando grãos ancestrais), estavam apinhadas. Entramos na fila, nos servimos com um copo de água grátis, pedimos uma fatia de bolo para comer em pé mesmo enquanto levamos metade do lindíssimo e saboroso “pão Rio”. Tudo que consumimos foi anotado, literalmente, no papel de pão da embalagem que levamos até o caixa, onde um belo rapaz de bigode e turbante nos atendeu. Total da compra: 42 reais.

De lá, seguimos para o armazém “A Colheita”, na próxima esquina. A proposta lá, além da sustentabilidade, é de transparência total na relação com os produtores. O demonstrativo financeiro do mês está na parede à vista de todos, deixando claro para onde vai cada centavo. As mercadorias (de abobrinhas a queijos artesanais e carnes) são todas orgânicas ou de produtores comprometidos com processos sustentáveis. Você coloca os produtos a granel numa cesta usando embalagens de papel, paga e, se não se lembrou de levar sua sacola ecológica (nosso caso), eles te dão uma bolsa de papel usada, doada por clientes. O ambiente é super bem planejado para parecer um armazém de secos e molhados do século passado. Até 2 simpáticos vira-latas descansam livremente dentro do estabelecimento. Parecia o antigo armazém dos meus avós, no interior de São Paulo, onde passei toda minha infância.

No entanto, algo me incomodou o tempo todo durante essa experiência. As pessoas com suas roupas de linho (caras) esvoaçantes e cuidadosamente desleixadas, as barbas, as cervejas artesanais e os olhares blasé dos consumidores-sommeliers de orgânicos. Tudo é meticulosamente produzido pra emular um tempo onde as relações comerciais eram mais humanas. Tudo para expiar as culpas do consumismo de uma classe abastada que pode pegar caro pra ser ambientalmente correta - tipo 7 reais para ter seu próprio canudo de alumínio ou 41 reais por 200g de um brie artesanal.

Me incomoda porque o discurso do ativismo pela sustentabilidade e dos orgânicos não é uma proposta acessível para as massas, justamente por não ter escala e não pensar uma forma de viabilizar preço ou distribuição para atender à maioria da população. Também não pode dar certo a disseminação de um discurso de que o correto é só “consumir o suficiente” para quem não conseguiu ainda conquistar a dignidade de consumir sequer o que precisa para sobreviver.

Nesse contexto, a necessária conscientização ambiental sobre as reais consequências das mudanças climáticas acaba ganhando na sociedade uma imagem caricatural de um movimento onde poucos bichos-grilo bem nascidos comem brotos e abraçam árvores. A boa intenção está lá, claro, mas não consegue comunicar para fora da bolha dos hypes esclarecidos, não cria identificação com o cidadão médio e não convence a maioria - que elege governantes que desprezam abertamente o meio-ambiente.

Na minha opinião, a conscientização sobre sustentabilidade e da importância da produção orgânica para o povo virá por meio da argumentação sobre saúde pública. Se alimentar bem e se exercitar vai gerar menos hipertensão, menos diabetes, menos doenças e menos necessidade de procurar médicos. Programas nacionais e públicos de nutrição da família, educação nutricional e iniciativas de negócios de impacto social como o Saladorama podem escalar uma mudança real e não apenas ser um movimento “estético-ambiental” de meia dúzia de cidadãos bem intencionados.

Penso também que a questão do plástico será levada mais a sério pelo cidadão médio quando deixarmos de culpar simbolicamente o canudo ou as sacolas do mercado e passarmos a exigir que empresas e governos desenvolvam processos de reciclagem mais eficientes, economicamente vantajosos e com políticas de gestão de resíduos sólidos que responsabilizem produtores pelo descarte de embalagens.

É um assunto longo, cheio de desafios e que precisa mobilizar cada vez mais a sociedade. Empreendimentos como a The Slow Bakery ou o armazém A Colheita são belas iniciativas, mostram uma vontade sincera de melhorar o mundo e comunicam valores importantes. A reflexão que levanto aqui é que esse tipo de iniciativa atinge apenas as pessoas que já são permeáveis ao tema que, convivendo nessa comunidade super exclusiva, acham que esse modelo é perfeitamente replicável em toda a sociedade e que as pessoas não o fazem por ignorância ou falta de vontade. E não é.

Precisamos escalar a importância dos valores da sustentabilidade.

Quais são os ganhos diretos individuais de cada um que opta por uma vida mais saudável, por alimentos menos processados e por privilegiar uma cadeia de produção mais local?

Creio que o sucesso da adesão da população à causa ambiental passa pelas respostas dessa pergunta.

brie-canudos-aluminio.jpg